terça-feira, 16 de novembro de 2010

PARTIDA DE ENTES QUERIDOS

Tinha meus 20 anos, quase 21, morava só, no distante bairro Ferreira, na Capital paulista. Naquele tempo, cursava o 2º ano de Química Industrial na Faculdade “Oswaldo Cruz” e trabalhava em São Caetano do Sul, nas Indústrias Matarazzo.
 Anibal, meu primo, Abdalinha, seu irmão e eu, todas as tardes de sábado, após nossos trabalhos, fazíamos programas malucos próprios de jovens alegres e felizes. Saíamos, os três, para jogar sinuca (éramos todos péssimos jogadores) ríamos um dos outros à medida que o vencedor   “curetava” as grossuras dos outros dois e o segundo “gozava” com a cara do último perdedor.
Depois de muitas partidas “a leite de pato” somente pelo prazer de brincarmos entre nós, nos metíamos nos cinemas, geralmente para ver filmes do faroeste americano, rodando de uma sala de espetáculos para a outra mais próxima, até que, cansados, íamos para o apartamento da família e por lá dormíamos até o domingo, só acordando por volta das 10 horas da manhã.
Vinha um café reforçado que tia Maria (a mãe deles), casada com Youssef, meu tio-avô materno fazia à moda árabe, forte pra caramba e sem coar, botava uma gota de água fria e o pó assentava todinho no fundo do bule. Muitos pães e roscas trazidos quentinhos da padaria da esquina, manteiga de leite da boa, alguns queijos e muitas frutas sazonais, completavam fartamente a mesa.
Reforçados, saíamos novamente para ver os filmes matinais nas casas cinematográficas do Centro, pertinho do apartamento dos pais deles, permanecendo assim até lá pelas 4 da tarde, quando íamos almoçar a deliciosa comida da tia Maria ou da Adla, tia deles, por parte de mãe.
Manhã de segunda-feira, feliz, Anibal dirigia seu carro seminovo adquirido dias antes, quando em sentido contrário um motorista embriagado, no volante de um caminhão, praticamente, passou por cima do carro.
Anibal desencarnara. Partiu o meu amigo, o meu primo. Enquanto percorria as ruas e avenidas paulistanas para avisar parentes e amigos, pois telefone era raríssimo naquele tempo, sentia que Anibal me sussurrava que a gente não perde ninguém, que a morte é apenas transição e que os entes queridos se fixam como estrelas a nos iluminar lá do alto. E que ele, então, já era uma estrela luminosa refulgindo seus raios sobre mim e sobre todos os que ficaram na Terra.
A roda do tempo girou, tornara-me espírita e no dia do aniversário de minha filha mais velha, 16 de outubro de 1974, meu sogro e padrinho dela, deixou-nos. Nunca mais pude pescar os peixes do Rio Meia Ponte com ele como antes fazíamos.
Um ano e meio depois, dia 17 de abril de 1976, minha meiga esposa Maria Inês se juntou ao pai partindo da Terra deixando-nos cheios de saudades eu, e minhas duas filhas pequenas, agora órfãs.
Seis anos depois, em 29 de novembro de 1982, foi a vez da minha caçula enriquecer a abóbada celestial como nova estrela de primeira grandeza emitindo vibrações luminosas de exponencial magnitude.
Sua mãe biológica, abandonada pelo marido, rejeitara o pequeno ser. Assim, ela chegou ao nosso lar através das mãos de um médico amigo que fizera o parto, em 1973.
A doçura da menina e sua sabedoria, apesar de criança, encantou meus alunos de Direito que a foram visitar no Hospital Araújo Jorge. Anelise, de 9 anos, superou a terrível dor do câncer ósseo, impressionando os médicos pois sempre recusou até simples analgésicos dizendo-se mais forte que a dor.
Tinha sempre uma palavra amiga para os outros pacientes, um largo sorriso no rosto infantil e surpreendeu todos os visitantes conversando sobre assuntos das mais elevadas expressões, além de demonstrar uma compreensão da vida muito além da sua pouca idade. Fui agraciado com a visão do desligamento de Anelise por Clovis, mentor amigo, primeiro médico negro do Brasil, passando o espírito liberto para os braços de sua mãezinha Maria Inês,depois para meus avós maternos Gibran e por tantos espíritos amigos que vieram recolher aquela que, mesmo tendo partido em tenra idade, cumprira um intenso programa de luz e de bondade.
Em 1985, meu pai também se foi para o Mundo Maior e em 1997, minha mãe se juntou a ele, em nova convolação de núpcias, eles que tanto se amaram aqui na Terra.
Vários amigos também formam na grande constelação de astros espirituais que brilham na esfera superior da Vida.
Nunca senti houvesse perdido nenhum dos meus entes queridos. Sempre posso alcançá-los através do meu pensamento divisando-os na minha visão espiritual que me trazem a certeza de que no tempo e na hora de minha volta à Pátria do Espírito, eles estarão me esperando lá pra me abraçarem ou até vindo me recolher neste recôndito espaço terreno, onde sempre estive apenas de passagem.
Então, não choro, nem lamento a partida porque sei que se cumpre inexoravelmente, os desígnios divinos que sempre são justos, corretos e indiscutivelmente os melhores que nos podem acontecer.

2 comentários:

  1. Mano, estou feliz em saber que vai compartilhar, por meio de seu blog, essa imensidão de saberes que você adquiriu ao longo de sua vida.
    Eu não me lembrava da morte do Aníbal...aliás eu nem me lembro dele. Não sabia também que você morava com a tia Maria. Sim, agora me lembrei de algumas passagens,claro, anos mais tarde a Myrna estava sempre a perguntar sobre você.
    bj

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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