terça-feira, 16 de novembro de 2010

EMPOLGAÇÃO COM A DOUTRINA ESPÍRITA


Eu me lembro que depois de ler uma parte do Livro dos Espíritos, eu que viera do Catolicismo, que entendia tudo, ou pelo menos achava que entendia tudo daquela Doutrina Cristã, quedei-me convencido de que havia descoberto as chaves do Reino dos Céus e que, estando no caminho certo, com a verdadeira doutrina do Amor, pois o Espiritismo redivivo representava a minha salvação definitiva e que tudo iria rolar entre sorrisos de alegria vertidos em consequência das soluções de todas as questões da vida, só encontradas naquela obra básica e o meu comportamento legal diante das Leis de Deus, bastando, para isso, que em amasse todos os meus irmãos e fosse caridoso.
Estava tão empolgado que acreditei que era fácil amar o próximo e também ser caridoso, aliás, me considerava altamente benevolente com as criaturas, praticante da caridade mais pura que era dar esmola a todos que me procurassem em nome de Deus.
Os primeiros esbarrões da realidade serviram para despertar –me daquele sonho pueril.
Certa tarde, no meu escritório profissional, adentrou uma senhora idosa, muito alta, vestido de chita barata, pés grandes, descalços, sujos da poeira daquele município goiano e me pedira uma esmola. Medi-a de alto a baixo e concluí que se tratava de uma pobre velha necessitada de um dinheiro pra poder comer. No alto dos meus escaninhos mentais cataloguei que ela devia estar sem se alimentar bem a uma semana mais ou menos. Assim convencido nos meus botões meti a mão no bolso, sacando uma nota de dez cruzeiros (era uma boa quantia) e sorrindo passei à velha dizendo, Deus te abençoe minha tia.
Ela sequer me agradeceu nem resmungou que Deus me pagasse o feito.
Depois que a velha saiu, minha secretária, que estava na sala de recepção, perguntou-me: - o senhor deu esmola pra velha Prata?
- Quem?
- A velha Prata que acabou de sair daqui.
- Como assim, insisti?
E a secretária, sorrindo, explicou: - doutor, a velha Prata é uma das pessoas mais ricas do Município. Tem fazendas e casas de aluguel na cidade.
- O que? – perguntei assustado.
- É isso mesmo, repetiu.
- Por que ela se veste como maltrapilha e pede esmolas então?
- Porque ela sempre fez isso. É uma pobre miserável que vive desgraçadamente como uma pobretona. Vive esmolando e todos aqueles que não a conhecem dão-lhe esmolas polpudas que ela guarda ou esconde em sua casa que é sede de uma das fazendas.
Fiquei decepcionado porque ao invés de fazer uma caridade, contribuíra para alimentar o desequilíbrio daquela pobre infeliz.
Esse episódio me lembrou um tal Zé Macarrão que habitou um pedaço da minha juventude numa cidade do interior paulista, próxima da minha terra natal e que esmolava pela manhã, sempre pedindo dinheiro pra comprar macarrão pro almoço que ele não tinha o que comer em casa.
De tarde ele sumia.
A sua morte, nos revelou um trágico quadro de sovinice e vida miserável.
Vivia sozinho num casarão vizinho da casa de um tio que me hospedava, pois eu fazia o curso científico no Instituto de Educação numa outra cidade para onde ia todos os dias às 6 horas da manhã, voltando somente pelo meio-dia.
O cadáver começara a cheirar mal e, por isso, comunicada pelos vizinhos, a polícia arrombou a porta da frente e descobriu-o num quarto grande dos fundos, a casa sem nenhuma mobília, fogão a lenha que a muitos anos não fora aceso, rodeado de sacos de notas de todos os valores e ali muitas delas já sem valor econômico pelas muitas transformações do dinheiro.
Segundo a polícia, no loca, em dinheiro com valor ele tinha cerca de 20 mil cruzeiros, pequena fortuna porque o salário-mínimo montava em 80 cruzeiros.
E a surpresa não parou por aí, porque descobriram alguns recibos de depósito nas três agências bancárias da cidade: Banco do Brasil, Banco Bandeirantes e Bradesco. Ao fazer o levantamento, o Zé Macarrão era muito rico pois tinha uma fortuna de mais de 100 mil cruzeiros.
A minha empolgação começou o pique para baixo, diminuindo à medida que fui entendendo que caridade não é só dar esmolas e que nem sempre comprar comida ou alimentar pessoas significam fazer o bem aos nossos irmãos. Descobri que muitas vezes estamos alimentando as loucuras ou os desvios de conduta das pessoas.
Descobri, também, que só fazemos o bem sem olhar a quem quando temos certeza de que o amor que nos liga a essas pessoas é aquele Amor Universal que é capaz de superar todas as diferenças, mas, que é praticado conscientemente, ou seja usando a razão sem nos deixar arrastar pelas emoções ou paixões momentâneas.

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